O Barco Invisivel

- Olá, Fernando! Bem-vindo de volta!
- Olá, senhor! É bom estar de volta!
- O Almirante Figueiredo o aguarda. Ele pediu apenas um minuto para finalizar uma ligação importante.
- Engraçado! Eu tenho acesso aos maiores segredos nacionais da marinha brasileira e não posso ouvir uma ligação telefônica do Almirante!?!!?

O assessor sorri para mim e declara:

- Trata-se de uma ligação particular! Ele está falando com a esposa!
- Ah! Então ele tem razão! Este é um nível de informação a que minha credencial não permite acesso!

Novamente o assessor sorri para a minha observação e me oferece algo para beber:

- Deseja beber algo? Temos café, refrigerante e água!
- Não, não, obrigado! Estou bem!
- Certo! Então sente-se ali que em breve será chamado!
- OK! Obrigado.

Retiro a mochila de meus ombros e a coloco sobre uma cadeira. Sento-me num sofá ao lado disponível. Observo o local mais detalhadamente. O assessor também se senta à mesa de trabalho dele. Noto uma maquete nova de um barco sobre um balcão ali ao lado! Não resisto! Levanto-me novamente e vou até lá! Ao me aproximar percebo que era um barco Stealth* de origem americana. Tenho que perguntar o motivo daquilo.

- A marinha brasileira está adquirindo um barco invisível americano?
- Nós já temos a embarcação! Ela está aqui no Brasil. O fato não foi divulgado à imprensa, afinal... ela é invisível e ninguém poderia fotografá-la!

Sorrio ao militar, obviamente acreditando tratar-se de uma piada! Na mesa do assessor uma ligação telefônica acontece e ele a atende:

- Sim, Almirante! Imediatamente. Você pode entrar agora, Fernando! O Almirante Figueiredo irá te atender!
- Ahh! Obrigado!

Afasto-me da maquete e vou em direção à porta. Bato suavemente, requisitando a minha entrada quando o Almirante a abre. Isto me assustou, afinal, esperava poder eu mesmo abrir a tal porta.

- Olá, Fernando! Que prazer revê-lo aqui!
- O prazer é todo meu, senhor!

Entro na sala do Almirante e ele fecha a porta atrás de mim. Eu nem me sento, porque não fui convidado a isso. Parece que o assunto será rápido e urgente.

- Quero, antes de tudo, lhe informar que o estado-maior naval gostou muito de seu trabalho na última missão! Você é muito perspicaz! Conseguiu captar perfeitamente todo o ambiente em que se encontrava a ação! Parabéns!
- Isso não foi nada, senhor! A ação não era real e pude ficar muito próximo de tudo o que acontecia. Se fosse real, com balas reais, talvez eu não pudesse estar tão próximo assim da zona de conflito e perderia um pouco da visão que tive.
- Interessante o que está dizendo, porque agora o presidente quer você diretamente na frente de batalha, numa ação real, com balas de verdade e perigo contínuo de ser morto!
- O quê?!?! Que quer dizer com isso, senhor?
- Quero dizer que você passou no teste de confiabilidade e capacidade de executar sua missão! Agora queremos saber se conseguirá agir profissionalmente em meio a um conflito real onde a sua vida estará em risco.
- Senhor! Não acho que isso seja necessário para provar meu profissionalismo! Posso agir com mais segurança e objetividade, observando tudo de uma distância segura...
- Não! Não, Fernando! Seu batismo de fogo será em meio ao perigo real! Somente depois disso saberemos se você está realmente pronto para um cargo vitalício e um salário muito acima do mercado nacional, afinal, seu cargo é de extrema confiança.
- Senhor! Explique-me um pouco mais sobre esta missão! Quero entender o quanto minha vida estará em risco!
- Rsrsrs! Ora, meu caro Fernando! Não se preocupe tanto assim! Você estará entre os melhores soldados da marinha brasileira. Eles te protegerão!

O Almirante dirige-se de volta à sua mesa e aciona um botão vermelho no canto direito. Ele retorna o olhar para mim, sorri e declara:

- Agora podemos conversar com segurança. Aquele botão cria um distúrbio sonoro que impede qualquer tentativa de nos espionarem. Sua missão será participar de uma incursão no Rio Solimões* até a tríplice fronteira entre o Brasil, a Colômbia e o Peru. Você viajará em nosso barco invisível e irá até lá. Teremos que entrar alguns quilômetros no território do Peru e acabar com um grupo de guerrilheiros-traficantes que estão invadindo continuamente nosso país. Eles já controlam parte da fronteira e vêm dominando também a nossa região, ameaçando embarcações brasileiras e agindo como piratas no local.

- A polícia de fronteira não consegue combatê-los?

- Eles mataram a maioria dos policiais que trabalhavam por lá. A “missão-fantasma”, da qual você participará, será a de eliminar a resistência na fronteira, entrar em terras peruanas e destruir a sede de nossos inimigos. O Brasil quer acabar de vez com o narcotráfico neste continente. Estamos gastando milhões de dólares com os prejuízos sociais criados pelo tráfico. Esta será a primeira de diversas missões de eliminação dos traficantes e produtores de drogas. Mas teremos que fazer tudo isso sem que ninguém veja a nossa embarcação e sem que ninguém saiba de nossa presença nos locais das ações.

- Senhor! Acho que está valorizando demais a capacidade do barco Stealth! Ele é apenas invisível aos radares, mas num rio dificilmente passaria despercebido aos olhares das pessoas!

O Almirante sorri para mim de forma irônica e explica:

- Nosso barco invisível é tecnologia nacional, Fernando! Universitários desenvolveram o novo conceito e ele pode realmente ficar invisível aos olhos das pessoas!

- Senhor! Isso não é possível! A invisibilidade é pura ficção!!!!
- É nisso que queremos que todos continuem acreditando. Essa é nossa vantagem estratégica no continente. Com ela poderemos ir aonde quisermos, fazer o que for necessário e ninguém nunca saberá o que lhes atingiu!

- Desculpe-me, senhor, mas desconheço qualquer tecnologia que possa fazer isso?

- Imagine uma situação onde você olharia para um veículo e o que veria seria apenas a paisagem que está atrás dele...! Aos seus olhos este veículo estaria totalmente invisível porque parecerá que está vendo através dele! Essa tecnologia já está disponível e nós fizemos nosso barco invisível com este conceito.

- O senhor está falando sério mesmo?
- Sim...! Claro que sim...!
- Mas como pode isso ser possível?

- Nem tudo que parece impossível para uns é realmente impossível na prática para outros! A maioria das pessoas desconhece o nível tecnológico que a ciência já atingiu! Existem armas militares que você nem sequer pode imaginar! Não precisamos mais de soldados para lutar numa guerra em duas frentes diferentes! O mundo mudou muito, Fernando! E é por isso que você está aqui, para documentar toda a verdadeira história oculta.

- Senhor! Se este barco invisível é real... e é uma vantagem competitiva... por que o senhor está permitindo que toda uma documentação jornalística seja produzida e divulgada dentro de quinze anos?

- Fernando! Se nós conseguimos fazer este barco agora, outros exércitos e marinhas também já devem ter conseguido ou conseguirão muito em breve. Dentro de quinze anos tudo o que temos aqui será passado...! Museu...! Velharia...! Precisamos agora documentar todas as nossas missões para evitar que nos acusem no futuro de coisas que não fizemos! Todos os passos dessa nossa nova tecnologia serão minuciosamente detalhados. Apesar de invisível para os outros, a cúpula da marinha brasileira saberá exatamente, de minuto a minuto, onde se encontra nosso barco. Com tudo documentado historicamente, nenhum país poderá nos acusar de ter participado ativamente dos problemas internos que eles venham a ter nos próximos anos.

- Entendo, senhor! Onde encontro o tal barco invisível?

O Almirante Figueiredo retorna para sua mesa e pega um envelope que me entrega.

- Dentro desse envelope você tem um roteiro de tudo o que deverá fazer para registrar seu trabalho. É um padrão que determina como desejamos que seja feito seu relatório final sobre cada missão (eu pego o envelope, abro-o e dou uma rápida olhada no texto). Você tem carta branca de minha parte para fazer o que for possível e garantir um bom trabalho jornalístico. Não poupe recursos militares para isso.

- Sim, senhor! Obrigado!

- Um avião militar partirá para Manaus dentro de três horas. Você estará dentro dele. Ao chegar lá alguém o encontrará para levá-lo até onde o barco invisível o esperará. O local é um porto militar naval secreto na região (agora eu guardo o envelope dentro de minha mochila). Seja discreto como sempre. Não comente nada sobre a missão com ninguém. É imprescindível que seja tudo sigiloso. Não sei se você sabe, mas o Peru e a Colômbia estão neste momento com alguns problemas diplomáticos entre si e eles não devem desconfiar desta nossa missão. Se souberem que invadimos o território deles, criaremos um incidente diplomático!

- Senhor! Por que eles mesmos não combatem os guerrilheiros-traficantes em seus próprios países?

- Ambos alegam que não conseguem resolver o problema na vasta região de floresta. Mas desconfiamos que o exército peruano paga aos guerrilheiros para comprometer as operações militares no país vizinho junto à fronteira! E pelo que vimos o mesmo está acontecendo pelo lado da Colômbia. Assim, oficialmente, as instituições dos dois países não se envolvem. Na prática os traficantes de drogas estão dominando a região. Nos últimos anos o mercado brasileiro também se tornou atrativo para eles, porque querem crescer e neste momento estão limitados apenas às fronteiras de nossos vizinhos coniventes. Mas em nosso território já estão agindo com mais violência e sabemos de diversos brasileiros que perderam a vida, seus imóveis e terras para este bando. Nas terras invadidas vivem os “laranjas” do tráfico, sem passagem pela polícia em nenhum dos três países. Esses “bodes expiatórios” tomam conta das novas terras dominadas em nome do tráfico com documentação falsa. Nossa polícia de fronteira não está dando conta do problema e muitos de nossos homens estão morrendo em emboscadas na mata e no Rio Solimões. Estamos monitorando toda a região com nosso satélite-espião. Sabemos exatamente onde os grupos de bandidos estão escondidos e atuando. Vamos acabar com todos eles. Você irá até lá e presenciará a forma como faremos isso. Ninguém saberá o que aconteceu e nem quem acabou com os guerrilheiros. No futuro os filhos e netos dos atuais moradores da região nos agradecerão pelo que fizemos.

- A polícia de fronteira sabe de nosso envolvimento?
- Não! E nem pode saber! Se os encontrarem no caminho, o comandante da missão tem a ordem de desviar deles.
- E se os encontrarmos na zona de batalha e em meio ao fogo cruzado?
- Reze para isso não acontecer, porque a notícia da invisibilidade não pode se espalhar neste continente.

Neste momento o Almirante dá dois passos na direção de um bebedouro dentro da própria sala e toma um copo d’água. Entendi, nas palavras do idoso militar, que não poderíamos auxiliar os policiais de fronteira se eles se envolverem em uma luta direta contra os traficantes. Mesmo que isso aconteça diante de nós. Mas espero que a ordem não seja matar nossos homens se eles perceberem o que estamos fazendo. Odiaria fazer parte desse sacrifício militar!

- Fernando! Quero agora que você fale com meu assessor ali fora. Ele te levará até o centro secreto de controle do barco invisível para que conheça como trabalhamos com este incrível veículo militar.

- Não entendi, senhor! A marinha tem um centro de controle aqui para o barco invisível que está em Manaus?

- Exatamente, Fernando! É daqui que o barco é guiado pela tripulação para onde quer que vá. Em breve você irá entender como tudo funciona. Depois da visita à base será levado ao aeroporto militar para ir até Manaus e embarcará ainda hoje na missão secreta.

- Certo, senhor! Por que a pressa no início da missão-fantasma?

- Descobrimos que os guerrilheiros-traficantes empreenderão uma grande operação muito em breve em território brasileiro. Vamos pegar todos ou a maioria deles em nosso território e o restante de surpresa dentro da base inimiga no Peru. Vocês terão que atravessar quase 100 quilômetros de fronteira entre a Colômbia e o Peru antes de chegar até o “covil dos lobos”, que é como estamos chamando o local onde os traficantes estão acampados e escondidos no Peru.

- Bem! Então é melhor eu me apressar porque a agenda está corrida.

- Sim! É verdade! Boa sorte! Sucesso em sua missão mais arriscada. Faça um bom trabalho! Seja justo e profissional como sempre! Não julgue os acontecimentos como faz a maior parte da imprensa nacional hoje em dia. Apenas relate os fatos! Não queremos saber a opinião do Fernando! Queremos o trabalho profissional do jornalista que é! Está em jogo o futuro de um Brasil livre das drogas, traficantes e das fazendas de cocaína e maconha espalhadas pela América do Sul. Queremos a paz nas fronteiras e esperamos que nossos países vizinhos compreendam e aceitem nossa decisão no futuro. Por isso vamos investir financeiramente muito em breve nestes países, visando o crescimento de todos os hermanos sulamericanos.

- Sim, senhor! Sei da importância de meu trabalho para o futuro do Brasil.
- Muito bem, então! Boa sorte, meu jovem!
- Até breve, senhor!

Eu saio da sala e na sequência o assessor me leva de carro até a secreta instalação naval localizada em terra firme, em Brasília. No trânsito fico pensando sobre o assunto! E está difícil acreditar que realmente possa existir um barco invisível. Talvez o Almirante estivesse falando de uma manipulação com espelhos, de uma ilusão de mágica ou quem sabe trata-se de um submarino, afinal? Só saberei a verdade quando vir com meus próprios olhos o que ele alega que ninguém pode!