O Barco Invisivel

A repórter Ângela descobre que dentro do copo de um dos políticos mortos não havia nada. O que quer que houvesse ali dissipou-se antes de ser analisado pelo laboratório. Ela está sentada em sua mesa na redação da TV conversando com Bárbara, a outra jornalista da mesma TV.

- Droga! O relatório do laboratório diz que não há nada de errado no copo que aquele político estava bebendo! (declara ela à colega de trabalho Bárbara).
- Você acha que existe algo de errado com este tal de fantasma urbano? (indaga Bárbara).
- Eu tenho certeza disso! (responde Ângela, categórica sobre o assunto). Este fantasma não é real! Eu sinto isso!
- Por que acha isso? (indaga Bárbara).
- Não sei...! Ele não age como um fantasma verdadeiro...!
- Mas...! O que é ser um fantasma verdadeiro...?!?! Você conhece algum outro que seja verdadeiro?

Ângela olha para a colega de trabalho e sorri meio amarelo para ela!

- Talvez você tenha razão! Talvez seja apenas uma intuição minha! Mas uma coisa eu sei: minhas intuições não costumam falhar!
- O que irá fazer agora?
- Vou forçar a barra para o fantasma aparecer novamente para mim. Quero uma entrevista oficial com ele!
- Acha prudente ameaçar uma entidade que vem eliminando um a um os políticos e empresários corruptos deste país?
- Não vejo outro modo de fazê-lo aparecer! Ele não me deu um cartão de visitas!
- Você é quem sabe...! Mas eu não me atreveria a isso!
- Na verdade...! Meu plano inclui você e esta emissora...!
- Ai, ai, ai! Não estou gostando nada disso...! Não quero entrar numa fria dessas!
- Sem você meu plano não funcionará!
- Esqueça-se disso, Ângela! Não vou participar! (declara Bárbara se levantando da cadeira ao lado da colega e indo embora pelo corredor em direção ao estúdio).

Ângela se levanta também e acelera o passo atrás da colega!

- Espere aí, Bárbara! Vamos conversar sobre isso!
- Não quero nem saber que plano é esse que você tem!

- É bem simples! Eu quero que você diga hoje no jornal, em horário nobre, que eu, Ângela, dentro de dois dias desmascararei o tal fantasma. Diga que estou seguindo pistas quentes que provarão a verdadeira identidade do sujeito e que ele me concederá uma entrevista exclusiva para falar tudo sobre a origem dele, seus planos futuros e o porquê de sua existência, se é que ele é mesmo uma alma penada!

- Não sei não, Ângela! Isso poderá pôr o meu emprego e o seu em risco, além da reputação de nossa emissora!

- Diga que eu te contei isso e você levou ao ar como um furo de reportagem! Se tudo der errado somente eu serei responsabilizada. Se tudo der certo a emissora e você ganharão uma maior visibilidade nacional e internacional.

- Está disposta a arriscar a sua carreira por uma entrevista com este fantasma?

- Ele demonstrou alguma preocupação quando eu peguei o copo do chão junto ao corpo do político! Ele esconde algo e não conseguiu disfarçar isso! Veio falar comigo sobre o assunto e me indagou se eu seria honesta com os resultados da perícia sobre este copo.

- Mesmo assim! Eu acho isso muito perigoso! O risco é grande demais!
- Você vê alguma outra forma de entrar em contato com o tal fantasma urbano?
- Não! Nenhum outro jornalista conseguiu mais do que você até agora sobre isso!
- Eu sei! Vou jogar a minha credibilidade profissional junto à população e ao fantasma. Quero que ele venha até mim novamente! Depois disso a nossa audiência irá subir o dobro da dos concorrentes jornalísticos.
- Ou então morrerá pelas mãos da entidade...!

- Tenha fé, minha amiga! Eu sei que vai dar certo. Dê a noticia em primeira mão hoje à noite. Chame-me ao vivo e declare que falo de um esconderijo secreto onde encontrei algumas provas. Garanto que amanhã todo mundo estará falando sobre este assunto. O fantasma urbano irá me procurar rapidinho!

- Você é louca! Sabe disso, não é?

Ângela pisca para ela, sorri, pega o telefone celular de um bolso de sua saia e corre de volta para a sua mesa! Bárbara a observa ir embora, preocupada com as consequências dessa atitude. Uma hora depois, Ângela está no telhado do último andar do prédio da TV para a qual trabalha. Ela está com o microfone padrão nas mãos e o cameraman Valdir está pronto, com a câmera sobre o ombro, para gravar as imagens ao vivo. O "Jornal do Horário Nobre" está no ar. Bárbara o está apresentando neste momento!

- Finalmente os aliados que invadiram a extinta Coreia do Norte finalizaram todo o processo de procura e destruição de armas nucleares e seus derivados (informa Bárbara). Eles declararam preocupação com o fato de terem encontrado apenas três das quatro bombas nucleares que acreditavam que existiam no país. Os Estados Unidos, terceira maior economia mundial, demonstraram insatisfação com a entidade que faz as buscas. O presidente norte-americano alega que o trabalho não foi minucioso o suficiente, já que ninguém escapou armado da linha costeira e fronteiriça do antigo país, que fora anexado ao sul tornando-o um único bloco conhecido agora apenas como Coreia!

Ela agora vira seu rosto para o lado para falar em direção à outra câmera do estúdio:

- A última notícia de hoje! A nossa repórter de campo, Ângela Jonas, conseguiu levantar pistas da origem e planos futuros da entidade que ficou conhecida nacionalmente como "fantasma urbano" pela polícia ou como "Gasparzinho - o fantasminha camarada", pela população em geral, porque são a ele atribuídas algumas mortes de políticos influentes e que estavam sendo investigados pelo ministério público. Os que morreram nos mesmos locais onde o fantasma se encontrava eram alguns dos homens mais corruptos do Brasil! Ângela Jonas tem mais informações diretamente de um local não declarado da cidade.

Por trás das câmeras o diretor do jornal está sério e com as sobrancelhas abaixadas falando no ponto auricular da repórter Bárbara:

- O que está acontecendo, Bárbara! Eu não autorizei esta matéria adicional.

Ela nada comenta enquanto Ângela responde ao vivo ao chamado da coleta.

- Boa noite, Bárbara! Boa noite a todos que nos assistem neste momento! Recentemente consegui pistas relevantes que podem ajudar a determinar a origem e o local onde se esconde o tal fantasma urbano! Não quero antecipar maiores detalhes ainda sobre este assunto para não atrapalhar as nossas investigações. Mas... por tudo o que já sabemos e levantamos, posso lhes garantir que este fantasma não é quem todos pensam ser. Acredito que amanhã, ou mais tardar depois de amanhã, trarei este furo exclusivo de reportagem aqui mesmo em nosso jornal!

- Cancele esta matéria, Bárbara! Finalize agora esta edição! (ordena via ponto auricular o diretor do jornal).
- Ângela! Onde você está neste exato momento? (indaga Bárbara quando o editor de imagens do jornal divide digitalmente a tela ao meio, colocando a imagem das duas jornalistas ao vivo).

- Bárbara! Eu estou num local que ainda não posso revelar onde é! Só posso dizer que é um lugar aqui mesmo na cidade onde encontrei pistas reais da presença viva deste fantasma! Assim que eu tiver mais informações retornarei ao vivo de onde quer que eu esteja. Eu sou Ângela Jonas, falando ao vivo para o "Jornal do Horário Nobre"! É com você, Bárbara!

A imagem das duas jornalistas na mesma tela é cortada para uma única imagem de Bárbara para encerrar o jornal:

- E ficamos por aqui! Ansiosos para conhecer a verdade sobre esta história que está deixando a polícia e o mundo político em alerta máximo! Até amanhã para vocês com mais um "Jornal do Horário Nobre"!

As legendas de identificação dos profissionais do jornal passam sobre a imagem de Bárbara sentada em sua cadeira que neste momento não demonstra muita felicidade por dar a tal notícia. Ela balança a cabeça negativamente conversando com seus colegas ali no estúdio e com o diretor do jornal via ponto auricular. Logo depois a imagem é cortada e segue a programação. Mais um "campeão de audiência", segundo a rede de TV.

Pouco depois Ângela retorna ao estúdio do jornal e percebe que o diretor responsável pelo programa está dando uma dura em Bárbara. Ele olha agora para a ousada repórter de campo e também dá outra dura nela:

- Ângela! O que está acontecendo aqui? (diz ele bravo e demonstrando insatisfação com o ocorrido).
- Olá, senhor diretor! Estou fazendo somente o meu trabalho: pesquisando e levantando informações sobre o caso fantasma!
- Eu não autorizei você entrar ao vivo para dar esta falsa notícia!
- Falsa? Não é falsa! Eu tenho mesmo pistas que me levarão ao fantasma urbano, senhor!
- E quais são estas pistas, Ângela?

Ela titubeia, pensa um pouco e responde:

- Senhor! Acho melhor eu ainda não dizer a ninguém para não atrapalhar as minhas investigações.
- Ângela! Ouça bem o que vou lhe falar! Se você estiver inventando tudo isso... nunca mais trabalhará aqui ou em qualquer jornal sério deste país! Nós não fazemos matérias sensacionalistas neste jornal! Talvez algum programa humorístico que diz fazer jornalismo possa te contratar!
- Calma, diretor! Eu estou certa do que estou fazendo! Muito em breve o senhor verá a maior audiência da história deste jornal! Eu farei a entrevista exclusiva com o fantasma e então lhe pedirei um aumento!
- Aumento? Só se for de serviços! Neste momento, Ângela, estou mais próximo de te mandar embora do que lhe dar um aumento de salário!
- Confie em mim, senhor! Eu nunca lhe decepcionei na vida!

Ela dá as costas a ele, enquanto pega seu casaco sobre a cadeira de sua escrivaninha e vai embora para casa. No subsolo Ângela entra em seu carro elétrico, dá um tchau ao porteiro na saída e dirige para casa calmamente. Logo depois de entrar na avenida principal ela observa pelo retrovisor que quatro veículos de faróis altos estão atrás sem ultrapassá-la ou se distanciar muito dela. A jornalista estranha o fato e abaixa as sobrancelhas, enquanto continua dirigindo.

Ao chegar em casa ela pressiona um botão no painel e a porta da garagem de sua casa se abre automaticamente. A jovem moça entra na sala e tranca a porta, acionando um código de letras e números num painel de alarme junto à porta. A jornalista sobe as escadas e vai ao quarto com suíte, para tomar um banho relaxante.

Ela curte o banho do final do longo e estressante dia, preocupada com as futuras consequências de seus atos de hoje! Dez minutos depois está ela saindo do box com uma toalha enrolada no corpo e os cabelos todos molhados. A jornalista sente uma presença por ali e olha em direção à porta do quarto. Diante de seus olhos materializa-se o tal fantasma: uma cabeça de caveira com o corpo envolto num lençol branco. Tudo ligeiramente transparente o que lhe possibilita ver a porta atrás do fantasma!

- Aí! Que susto! (diz ela).

O fantasma, frio e preocupado, diz a ela com sua voz tenebrosa e rouca:

- Por que fez aquilo? Você me enganou! Disse que diria a verdade sobre o conteúdo daquele copo!
- Não pode ligar e marcar um horário como qualquer pessoa normal faria?
- Eu não sou uma pessoa, Ângela!
- Olha! Este não é o momento para a nossa entrevista! Não estou vestida e nem tenho um cameraman. Ainda falta o microfone de lapela e...
- Você se autocondenou à morte ao dizer aquilo na TV!

Ângela para de falar, ergue as sobrancelhas para o fantasma, assustada com o que ele acabara de declarar e pergunta:

- Então... é isso? Vai me matar porque desejo lhe entrevistar? Achei que só matasse políticos corruptos...!
- Eu não vou lhe matar! Quem fará isso são aqueles caras lá fora que você atraiu até aqui depois do que declarou no jornal!

Ângela se aproxima lentamente do criado-mudo junto à cama. Pega o controle remoto! Clica num dos botões que está escrito: gravação de imagens! Com isso o sistema de segurança da casa começa a gravar as imagens. Depois o aponta para a cortina da janela de seu quarto, que se abre automaticamente, expondo por trás o vidro inteiriço e opaco do local.

Ele se transforma numa enorme tela de TV. Uma câmera de vigilância externa da casa mostra a rua lá fora projetando a informação visual diretamente no vidro da janela. A imagem mostra quatro carros estacionados bem próximos dali. Motoristas e ocupantes estão dentro dos carros. A repórter ergue as sobrancelhas e volta seu olhar ao fantasma:

- Quem são eles, afinal?
- Assassinos de aluguel! Foram contratados provavelmente pelos mesmos homens que estou caçando!
- E por que acha que irão me matar?
- Eles ficarão no seu pé até me virem com você. Se me virem aqui atirarão com pesadas armas, destruindo esta casa inteira na esperança de me matar. Mas somente você irá morrer, porque eu não sou humano!
- Quem é você, afinal?
- Pare de correr atrás de mim! Isso em nada ajudará meu trabalho ou o seu! Deixe-me combater sozinho o mal desta sociedade. Se um dia eu conseguir eliminar todos os corruptos do poder... então meu trabalho estará terminado! Entrevistas só irão prejudicar a visão que estou tentando criar na mente deles sobre quem sou e o que vim fazer aqui. Deixe minhas vítimas imaginarem sozinhos quem sou! A imprensa só irá me atrapalhar neste momento.
- Mesmo que eu aceitasse a sua sugestão... como irei me livrar deles agora?
- Não irá! Você pintou um alvo em sua testa e agora todos os corruptos e malfeitores deste país virão atrás de você ou enviarão seus representantes para lhe assassinar!
- Então! O único modo de eu me livrar deles e sobreviver... é você me dando logo uma entrevista! Assim eles irão embora!
- Hoje eles estão esperando! Depois que eu lhe der uma entrevista eles caçarão você e sua família até que lhes diga como conseguiu me encontrar.
- Então... estou ferrada?
- Literalmente...! Mas não hoje...!
- Por quê?
- Porque hoje... eu quebrei seu galho!
- Do que está falando?

O fantasma olha diretamente para a janela-TV da jornalista. Ele aciona de forma discreta o botão de um pequeno controle remoto em sua mão quando ambos podem observar os quatro veículos que explodem um por um, matando seus ocupantes imediatamente. Ângela põe as duas mãos sobre a boca, espantada com a crueldade do fantasma em matar aqueles homens.

- Como fez isso? Como sabe que eles eram assassinos e não seguranças?
- Como eu disse antes, jornalista, não sou humano! E eu sei quem é, e quem não é, bandido ou quando alguém é, ou não, procurado pela justiça. Aqueles homens eram assassinos contratados com longas fichas criminais!

O fantasma desaparece dali e ela grita para as paredes:

- Acha que vou desistir de entrevistá-lo? Eu arrisquei tudo para conseguir isso e não vou agora desistir assim facilmente!

Nenhuma resposta acontece! Frustrada, mas nem tanto, Ângela pressiona mais um botão em seu controle remoto especial onde está escrito: enviar imagens ao servidor! Ela sorri levemente e o fantasma reaparece:

- O que você acaba de fazer? (indaga o fantasma depois de dar um zoom com a câmera de seus olhos no painel do controle remoto dela).

Ela se assusta dando um pulo de medo!

- Você não pode bater antes de entrar?

O fantasma se aproxima lentamente dela, dizendo:

- Bater? Se eu bater em você nem saberá o que aconteceu! Morreria na hora!
- Eu não quis dizer: "me bater".
- Eu sei o que você quis dizer! E sei que se não cancelar o envio das imagens antes de serem mostradas ao público... irá atrapalhar meu trabalho e porá fim à sua vida.
- Eu sinto muito, senhor fantasma! Apostei alto nesta entrevista e não irei simplesmente perder tudo! Você já se transformou na notícia de amanhã de manhã!
- E você será a notícia de amanhã à noite...: nota de óbito...! Não sabe em que está se envolvendo, moça! Eles não te deixarão nunca mais em paz na vida! E eu não posso te proteger das consequências disso! Tenho um trabalho a fazer!
- Então vamos ser parceiros! Se eles virem atrás mim, você pode simplesmente ir acabando com todos eles!
- Não entende? Estes caras só existem por causa dos peixes grandes! Se eu ficar atrás destes lambaris... nunca morrerão os tubarões!
- Ahhh! Tem senso de humor, senhor fantasma! Acho que é mais humano do que pensa...! Aliás...! Como passou pelo meu sistema de alarme sem dispará-lo...?
- Do mesmo jeito que sairei daqui! Você pagará um preço muito alto por sua ousadia, moça! Um preço para o qual não estará preparada! Trocou o seu trabalho por sua vida.

Ele desaparece novamente dali enquanto lá fora diversos carros de polícia chegam ao local das explosões! A moça se senta em sua cama e continua olhando pela janela-TV os acontecimentos de lá de fora. Chegam ambulâncias e o corpo de bombeiros para apagar parte das chamas. Esta será uma longa noite e, por enquanto, ninguém invadirá novamente a casa de Ângela.